domingo, 12 de abril de 2015

Inspire - Coletivo de Histórias: Eu vejo, você vê, nós vemos, ela não vê!

Odeio sertanejo e pequi. 

Foto: Yago Sales
Eu vejo, você vê, nós vemos, ela não vê. Ela-não-vê. As pestanas pretas e tremidas de Lidiane Dias Lira, de 25 anos, se agitam. Ela, embora não suporte a música sertaneja, é sertaneja de Guaraí, uma cidadezinha do Tocantins.
O preço da reportagem: Dei meu braço pra ela segurar-se, lenta. Percebi, de imediato: Os pés muito pequenos, numa finura intimidante. A boca um pouco entreaberta, o cabelo debochando do vento, firme, devidamente amarrado em rabo de cabelo.
“Ela é magra de fome? Não de fome, fome, sei; mas de fome de ver?”, me perguntei. Ela não tem lá tanta pretensão com a aparição das coisas. Ela faz tudo a que uma pessoa de olhos abertos e visão perfeita faz, exceto uma: ela vê pela alma. Ela cavouca por dentro auxiliada pela mão pequena, comovedora, rígida.
Abro o bloco de notas. Aviso que colocarei tinta às palavras dela. Darei vida ao que ela tiver de dizer. Lidy, como gosta de ser chamada, veio do Tocantins pra cursar a faculdade de Jornalismo em Goiânia – Na Faculdade Araguaia, no setor Bueno. Depois de passar por 21 cirurgias – destas 15 transplantes de córneas – preferiu não se submeter a mais nenhum procedimento cirúrgico por correr o risco de perder a visão por inteiro. O único olho que dá a ela alguma visão é o esquerdo – 5% valiosíssimos!
Ela é um ponto de exclamação do tamanho do vazio que surgiu dentro de mim depois daquele início de cumprimento de uma pauta exausta. Exausta, a pauta-dela. Entrevistá-la é procurar ver mais. Ver por dentro dela. Um cúmulo não ter tantas palavras pra falar dela, de tão reservada que Lidy é. Ela me disse com frase formada, soprada: “Sou princesa de Deus...”. Fiquei silenciado. Num ato de coragem, tive vontade de cuspir no chão, espremer a terra com as mãos e untá-la com saliva passar nos olhos dela e dizer: olhe, aprecie, enxergue, veja, note a cura. Ela dizendo, escrevendo. Ela dizendo, eu aprendendo que enxergar por pouco é besteira. Lidy lê mais que a maioria dos brasileiros. Lê e-book. Os 5% de visão dão a ela o gosto, encostada com o rosto na tela do tablet, enxergar a vida. Lidy vê de outra maneira. Vê a partir da palavra escrita.
O preço da reportagem é sentar-me ao lado dela, no banco vermelho do ônibus e saber: resta-me descrevê-la sem adjetivos afligidos – em espremidos cinco parágrafos. Ela, eu, exaustos, fugitivos. Àquele início de noite fugimos da chuva que escorreu toda a tarde e nos introduziu revolta: Chegaremos às 19hs, atrasados, um pouco arrasados para a faculdade de Jornalismo – Ela está no sexto período, triunfante. Daqui a um ano Lidy será jornalista.


Escrito por Yago Sales, estudante de jornalismo e colaborador do Inspire - Coletivo de Histórias

Kalil

Author & Editor

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2 comentários :

  1. Foi tão bom escrever sobre a Lidy...

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  2. Viajei na história. Muito bom Yago Sales. Gosto muito do coletivo de histórias e o mais legal é que são meus colegas de faculdade que escrevem. Parabéns para todos.

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